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Parques para uns, despejo para outros

por Diretoria do iab.PE

   Fomos surpreendidos esta semana com a notícia de um novo parque no Recife. Parte da surpresa se deve ao seu enredo peculiar no contexto da cidade: um terreno de 12 mil metros quadrados, no Poço da Panela, mantido vazio desde a demolição do antigo hospital que lá existia, ainda em 2009; sucessivas promessas de empreendimentos de duas redes comerciais, uma varejista, outra atacadista, ambas rechaçadas pelos moradores da vizinhança; por fim, uma rara iniciativa de desapropriação de um imóvel de um grande investidor privado em um bairro nobre.

   Mas o que mais nos surpreende é a divulgação da desapropriação já com imagens do parque, mas ainda sem diálogo e transparência sobre o processo. Ao decidir e agir dessa maneira, a Prefeitura se afasta da sua função de mediar conflitos e distorções sociais. Na verdade, ela passa a amplificá-los. Ora, quais são as prioridades de uma cidade que tem a maioria da sua população vivendo em situação de vulnerabilidade?
   É claro que a cidade precisa de parques e praças. Essa é uma de nossas bandeiras históricas. Quanto mais pessoas puderem usufruir desses espaços, mais qualidade de vida urbana teremos. Porém é preciso observar que o Recife possui uma série de outras emergências quanto ao tipo e à localização de suas obras. Convivemos com piora nos alagamentos, aumento no déficit habitacional e degradação do espaço público, além de reincidentes deslizamentos de barreiras com vítimas fatais.

   E mesmo acerca dos parques, a discrepância nos investimentos é patente. Enquanto bairros que concentram moradores de alta renda ganham equipamentos dignos com mobiliários de qualidade, localidades com população mais carente recebem pinturas em escadarias e muros. Essas intervenções figuram muito bem nas redes sociais, mas são literalmente superficiais.
   O recente anúncio do novo parque no Poço só esgarça essa desigualdade. De um lado, uma das áreas mais valorizadas da cidade, já dotada de espaços qualificados e com moradores de condição socioeconômica privilegiada, tem seus apelos ouvidos e ganha um projeto que irá beneficiá-la ainda mais. De outro, a menos de um quilômetro, na Zeis Vila Esperança, pessoas são removidas com pressa e baixas indenizações para a obra da ponte Monteiro—Iputinga. Das mais de 300 famílias, apenas 75 deverão receber apartamentos em um local próximo às suas atuais moradias, em um terreno de cerca de 3 mil metros quadrados — o equivalente a 25% da área do parque do Poço.

   Por esses números, fica evidente que o caminho da desapropriação no Poço da Panela ainda pode — e deve — ser outro. Por exemplo, é bem possível conciliar área verde pública com habitação popular para que mais pessoas removidas da Vila Esperança sigam vivendo a 10 minutos de caminhada do local. Para tal, da mesma forma que a Prefeitura já fez acertadamente para o Parque Capibaribe, esse processo deverá passar por um concurso público de arquitetura. Esse é o caminho rumo ao ponto de encontro entre transparência, qualidade urbana e compromisso social.
   Nós do Instituto de Arquitetos desejamos que esta não seja mais uma oportunidade perdida pela reprodução de privilégios e desigualdades. Portanto, e por seu seu histórico de apreço à democracia, justiça social e direito à cidade, o IAB se propõe como facilitador das conversas entre a Prefeitura da Cidade do Recife e a população. Para a construção de uma cidade mais justa e equânime, o que há de mais urgente é o diálogo — ele custa pouco e já está à disposição.

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